14.6.10

terra sem lei, por miriam leitão

Salve, Miriam.

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Em dez anos, os desmatadores destruíram no Brasil 260 mil hectares na Mata Atlântica, ou 2,6 mil km, o equivalente a duas cidades do Rio; e 176 mil km na Amazônia, área maior que toda a Inglaterra. Em sete anos, foram 85 mil km de cerrado; 4,3 mil km, no Pantanal; e 16,5 mil km, na caatinga. E o que o Congresso está discutindo não é como parar o crime, mas como perdoar os criminosos.

Esse é o principal ponto que torna o projeto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) um equívoco. Ele leva o Brasil na direção oposta do que se deve ir. Em cada ponto, a proposta acelera na contramão. O que os poderes da República poderiam estar considerando é: dado que o atual Código não impediu essa destruição toda, o que fazer para que as leis possam ser cumpridas?

Os rios brasileiros estão assoreados, muitos já morreram, os rios que cortam o interior do país viraram latas de lixo e esgoto. As histórias são tão frequentes e antigas que nem cabe repetir aqui. A discussão urgente é como proteger os rios, aumentar o saneamento básico, limpar as correntes de água, garantir que a faixa de mata ciliar seja recomposta. Mas o que a proposta de novo Código Florestal estabelece é como reduzir a proteção aos rios, diminuindo o tamanho das Áreas de Proteção Permanente (APP).

O Brasil tem tido assustadores problemas de deslizamento de encostas nas cidades, nas estradas. Elas servem como um alerta sobre o cuidado com o usode terrenos muito íngremes. A lei de 1965 cria limites ao uso de terrenos com 45 graus de inclinação e protege o topo dos morros. O novo Código reduz a proteção dessas áreas frágeis.

Imaginemos dois proprietários rurais na Amazônia, no Cerrado ou na Mata Atlântica, ou qualquer outro bioma brasileiro, como o nosso belo e frágil Pantanal. Um preservou a reserva legal guardando o percentual da propriedade estabelecido por lei, respeitou as APPs e não contou essas áreas nas reservas legais. Se já entrou na propriedade com uma área desmatada maior do que o permitido, replantou espécies da região. O outro desmatou com correntão, incendiou parte da floresta, fez corte raso ou qualquer uma dessas formas primitivas e predatórias de ocupar a terra. O segundo terá as seguintes vantagens: pode continuar usando as áreas "consolidadas" sem pagamento de multa, tem 30 anos para recompor a reserva legal de forma voluntária, pode usar espécies exóticas, pode replantar em outro local, pode fazer lobby junto ao governo estadualpara reduzir a área a ser protegida. Pode continuar explorando o topo dos morros, reduzir a área de proteção aos rios e contar a APP como parte da reserva legal. Como se vê, será compensado, anistiado, incentivado. E quanto ao primeiro? Ao que cumpriu a lei? Ora, esse deve procurar o primeiro espelho, olhar para seu próprio rosto e dizer: "Cumpri a lei, fui um otário!"

No século XXI, diante de tantos exemplos dos riscos da degradação ambiental, o que o Brasil deveria estar fazendo? Discutindo seriamente como aumentar a proteção ao meio ambiente. Mesmo os que não acreditam nas mudanças climáticas sabem que o meio ambiente é essencial para a qualidade de vida. Em vez de uma discussão serena e atualizada, o relator do projeto de mudança do Código Florestal, deputado Aldo Rebelo, nos propõe uma sequência delirante de explicações persecutórias. O mundo estaria conspirando contra o desenvolvimento brasileiro através de malévolas organizações infiltradas no país, impondo aos cidadãos nacionais convicções exóticas sobre a necessidade de evitar o desmatamento e inventando evidências científicas de que o clima está mudando.

Até quem tenha muito boa vontade com este tipo de raciocínio alienista precisa saber como explicar algumas contradições: muitas das ONGs são genuinamente brasileiras, o maior beneficiário de um meio ambiente sadio e protegido é o próprio brasileiro, o clima está de fato mudando perigosamente, os países desenvolvidos estão impondo para si mesmos metas de redução de emissões maiores do que as que o Brasil espontaneamente se dispôs a cumprir.

O Brasil é uma potência agropecuária. Os números crescentes de produção, produtividade e exportação derrubam a tese de que o Código Florestal está impedindo essa atividade econômica no país. Há pouca chance de que continuemos avançando em mercados mais competitivos se a decisão for permitir mais desmatamento, tornar mais frouxas as regras, controles e limites. É bem provável que ocorra o oposto: que esse passe a ser o principal argumento para imposição de barreiras contra o produto brasileiro, seja ele produzido de forma sustentável ou não.

O principal problema do Código não é ser excessivamente rigoroso. Se fosse, o Brasil não teria as estatísticas que tem. É que as leis não têm sido respeitadas. Mudar a lei para que o Código seja cumprido é tão inútil e perigoso quanto tentar reduzir a incidência de febre nos pacientes com infecção, estabelecendo que febre é apenas de 39 graus para cima. O racional a fazer com a febre é tratar a infecção; o melhor a fazer com nosso persistente desmatamento é impor o respeito à lei e ao patrimônio público; e não suavizar o Código, anistiar quem não a cumpriu e postergar seu cumprimento.

Em Minas, há um desmatador profissional que tira a mata dele e dos vizinhos, pequenos proprietários, a quem paga alguns trocados. De tanto ser denunciado e multado, ele já aprendeu o truque. Agora, ele mesmo se denuncia, paga a multa e assim legaliza seu ato. É o crime que tem que ser combatido, deputados e senadores, e não a lei.


Save the planet!

11.6.10

"curtinhas" - com notas poucas e boas



1 hectare a R$ 2,99: como lembrou uma amiga minha.."mais barato que banana!

"De acordo com informações divulgadas pela Agência Estado, terras públicas na Amazônia podem custar R$ 2,99 o hectare ao atual ocupante, de acordo com a nova tabela de preços do Programa Terra Legal, divulgada pelo governo. Para se ter uma ideia, um hectare equivale a um campo de futebol. O preço pode ser menor caso a terra ilegalmente ocupada esteja distante do município ou não seja acessível via estrada.


O Programa Terra Legal foi lançado em junho do ano passado com o objetivo de promover a regularização fundiária na Amazônia Legal em áreas que tenham sido ocupadas antes de dezembro de 2004 tanto em territórios federais quanto estaduais, inclusive em assentamentos de reforma agrária.

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Maravilhas do Brasil

Recentemente, a organização New 7 Wonders divulgou os 28 finalistas do concurso que deve eleger as sete novas maravilhas da natureza. A Amazônia e as Cataratas do Iguaçu encontram-se entre os 14 primeiros colocados. Os vencedores serão anunciados no dia 11 de novembro de 2011 – estima-se que o concurso deva superar 1 bilhão de votos. Para votar, é necessário acessar o site da organização ou ligar para os telefones (+44) 87 218 400 07 e (+44) 20 334 709 01.

Em 2007 a organização elegeu, por meio de 100 milhões de votos populares, as sete novas maravilhas do mundo construídas pelo homem – uma delas foi o Cristo Redentor. Todos os eleitos levaram para casa um montante no valor de U$ 5 milhões.

Um novo montante será dado aos vencedores e ele poderá ser utilizado em projetos de conservação. “Se queremos realmente salvar alguma coisa, primeiro precisamos apreciá-la”, Bernard Weber, fundador da New 7 Wonders.

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De protesto em protesto



No final de maio, dentro do badalado Shopping Boulevard, no centro de Belém, um indígena de aparentemente 25 anos de idade caminhava sossegadamente de calça jeans, sem camisa e com seu cocar na cabeça por corredores cheios de lojas. Como destoava dos demais transeuntes, chamava a atenção por onde passava. Do lado de fora do edifício, já na calçada, encontro outro indígena - devia ter uns 50 anos. Estava sentado, descansando. Me aproximo, digo olá e sento-me a seu lado. Neste momento, uma mulher mascando chiclete saca da bolsa preta de couro um celular vermelho e, sem pedir permissão, começa a fotografá-lo. Essa não ficou boa, tira outra. Mostra para a amiga. Nem uma palavra ao homem que estava estampado no seu telefone. Ele olha para elas, indiferente. Tinha cocar na cabeça, rosto, tronco e braços pintados com urucum e jenipapo.

O fotografado era cacique Amioti, da etnia Kayapó, que naquele momento esperava o tempo passar para uma reunião na Funasa na qual reivindicaria mais atenção à saúde dos membros de sua aldeia, localizada no município de Redenção, no Pará. “Onde eu moro falta médico e medicamento”, disse. Olhar sério, fala confiante. Dá para sentir que tem o peito calejado de tanto reivindicar o básico a órgãos públicos e, ainda assim, ter de conviver com um tipo de indiferença que deveria ser nada menos do que intolerável. Segundo ele, mais de seis mil pessoas vivem em sua aldeia e muitas sofrem com diarreia, tosse, gripe e malária.

“Eles estão em situação de abandono total por parte da Funai e da Funasa. Por isso estão aqui correndo atrás, para ver se melhora. A necessidade por lá é muito grande”, afirma Marcondes Cardoso, coordenador da ONG Ameka que, há seis anos, acompanha a situação dos Kayapó.
Amioti levantou da calçada e caminhou descalço o quarteirão que faltava para chegar ao prédio da Funasa. Após a reunião, seguiu de volta para sua terra. De lá partiu para Altamira, onde se reuniu a outros grupos indígenas em mais um protesto contra a usina hidrelétrica de Belo Monte, que afetará a vida de centenas de pessoas como ele. Aqui e ali, no passo por vezes descalço, Amioti segue caminhando pela melhoria de seu mundo.

ALIÁS...

Ameaça de guerra

Líderes indígenas têm afirmado que estão dispostos a guerrear e até a morrer, se for preciso, para impedir a construção de Belo Monte, alegando que a obra vai impactar o meio ambiente e as populações locais. “Os povos indígenas entendem que Belo Monte vai realmente trazer impactos. Uma guerra pode acontecer sim. Antes morrer do que ver este sofrimento no futuro”, afirmou Luís Xipaya, presidente do Conselho Indígena de Altamira, em entrevista ao jornal O Liberal, do Pará.

Semana passada, durante a 13ª Reunião Ordinária da Comissão Nacional de Política Indigenista, líderes indígenas pediram ao presidente Lula um novo encontro para debater a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Márcio Meira, presidente da Funai, teria afirmado que Lula estaria disposto a debater o assunto com lideranças indígenas – no entanto, ressaltou que o governo não desistirá da usina.

Indígenas e ambientalistas tem protestado contra a construção de Belo Monte há pelo menos 20 anos, quando o projeto foi criado. Desde que o governo Lula “ressuscitou” o assunto, manifestações contrárias à hidrelétrica têm acontecido em diversas partes do país – de Belém a Florianópolis.

Save the planet!

9.6.10

Apagão Ambiental: Seria Cômico, não fosse trágico

por André Lima


Deputado Aldo Rebello superou seu próprio discurso anti-ambiental. Quem achava que se tratava apenas de jogo de cena quebrou a cara. Em sessão concorrida da Comissão Especial do Código Florestal desta terça-feira, 08 de junho, apenas três dias após o Dia Internacional do Meio Ambiente, o deputado apresentou e leu parte do seu canhestro relatório. Em leitura enfadonha e desqualificando de forma autoritária as organizações e inclusive os técnicos da sociedade civil contrários ao seu posicionamento o Deputado Aldo ofereceu seu tão esperado relatório para praticamente revogar o Código Florestal brasileiro.


Citando de Malthus, a Luiz Gonzaga, o Deputado Aldo demonstrou grande sensibilidade para as teses mais arcaicas do ruralismo do século passado. Comprovou também que não tem nenhuma responsabilidade para com o patrimônio público (ambiental), o Estado de Direito e a Função Social da Terra, teses consagradas na nossa Constituição Federal e caras aos comunistas (neste caso- ex-comunista). Conseguiu (pasmem!) apresentar um relatório muito mais condescendente com os infratores ambientais do que o apresentado pelo Deputado Moacir Micheletto, há mais de 10 anos atrás, e que lhe rendeu o apelido de deputado Moto-serra cunhado por organizações não Governamentais participantes da Campanha SOS Florestas.


Sem maiores delongas, os aspectos mais graves da proposta de Código Florestal TOTAL-Flex de Aldo Rebello são:


1) Anistia geral e irrestrita a todo desmatamento ilegal ocorrido até julho de 2008 cancelando multas, suspendendo embargos e permitindo que ocupações ilegais recentes em Área de Preservação Permanente e Reserva Legal sejam beneficiadas com a manutenção das atividades até que o governo elabora plano de recuperação ambiental.


2) Inverte de forma inconstitucional a responsabilidade pela elaboração de planos de recuperação de áreas objeto de dano ambiental decorrente de crime ou infração atribuindo obrigações ao poder público para elaborar os Planos de Recuperação Ambiental.


3) Permite que os Estados possam reduzir em até 50% as dimensões das áreas de preservação permanente.


4) Revoga a exigência de Reserva legal para as propriedades com até quatro módulos rurais (ex.: 600 hectares na Amazônia), permitindo com isso mais desmatamentos em todos os biomas em todo País.


5) Concede mais 35 anos para a recomposição de RL (pelo Estado) quando esta for exigível. Os trinta anos começaram a contar em 2000, com a MP 2166, mas a proposta é de renovar esse prazo.


6) Abre a possibilidade, sem qualquer critério técnico previamente estabelecido, aos estados e até mesmo municípios de declararem empreendimentos como de utilidade pública para fins de desmatamento em qualquer categoria de área de preservação permanente.


7) Suspende todos os termos de compromissos e de ajustamento de conduta para cumprimento do código florestal já assinados entre produtores rurais e órgãos ambientais em todos os biomas do País.


Além do que foi acima descrito o Deputado Aldo ainda propõe em seu relatório:


A) Em rio com até 5 metros de largura (rios mais vulneráveis a poluição e erosão) a APP passa a ter limite máximo de 5 metros de APP (hoje essa margem é de 30 metros de largura). Com isso abre a possibilidade para novos desmatamentos.
B) A definição de APP em áreas de várzea passa a ser definida pelos estados pois deixa de ter um parâmetro geral federal.


C) No caso de ocupação de área com vegetação nativa entre 25-45° de declividade, que hoje é limitada, a competência para autorizar uso é retirada do órgão ambiental e é atribuída a um órgão de pesquisa agropecuária (não define qual).
D) Formações campestres amazônicas (campinarana, lavrados) passam a ter Reserva legal de 20% (até então aplicava-se a elas o percentual de 35% como cerrado).


E) Permite o cômputo total da APP na reserva legal, mesmo que estejam desmatadas (em processo de regeneração).


F) ZEE pode regularizar desmatamentos ilegais ocorridos até julho de 2008.


G) Permite recomposição de RL com espécies exóticas a critério do órgão estadual (deixa de exigir parâmetro do CONAMA).
H) Desonera empreendimento de interesse público em área rural no entorno de lagoa de ter Reserva Legal, sem definir o que sejam empreendimentos de interesse público (por exemplo condomínios privados podem ser declarados por prefeituras como de interesse público).


I) Permite a compensação financeira para regularização de reserva legal (a lógica do desmate, ocupe, lucre e pague).


J) A averbação de reserva legal deixa de ser obrigatória até que o poder público elabore o PRA.
k) Propõe a recomposição voluntária de Reserva Legal até que o Poder Público apresente o PRA.


L) Permite a consolidação de ocupação em áreas urbanas de risco (margem de rios, topos de morros e áreas com declividade).


Em seu discurso rococônico com citações desconexas que viajam forçadamente de Epicuro a Guimarães Rosa, o Deputado Aldo deixou claro e sem constrangimento que não entende nada e não tem nenhuma responsabilidade com o equilíbrio ambiental no Brasil. Defende o princípio da arrogância humana, que se coloca acima de tudo e de todas as demais espécies e que com sua razão tudo pode. Para ele o Brasil é sobretudo o celeiro do mundo e todos os que não se rendem a essa visão míope e parcial da realidade do país são por ele taxados de inimigos da nação. Infelizmente esse é o cenário que teremos que enfrentar no Congresso Nacional nos próximos dias. Até os ruralistas se surpreenderam com a sintonia entre o relatório de Aldo e suas demandas históricas.


Por isso amigos acompanhem, mandem mensagens e liguem para os seus deputados, e participem das Campanhas SOS Florestas: WWW.sosflorestas.com.br e Exterminadores do Futuro WWW.sosmatatlantica.org.br


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[1] Artigo escrito em 08 de junho de 2010 por André Lima, advogado, formado pela Universidade de São Paulo (1994), mestre em Gestão e Política Ambiental pela UnB, Coordenador de Políticas Públicas do IPAM e Diretor de Assuntos Parlamentares do Instituto O Direito por um Planeta Verde. Foi Coordenador Jurídico da SOS Mata Atlântica entre 1994 e 1997, Coordenador de Política e Direito Socioambiental do ISA entre 1997 e 2007 e Diretor de Políticas de Controle dos Desmatamentos no Ministério de Meio Ambiente entre 2007 e 2008.